Entidades relatam abusos, torturas, perseguições de dissidentes e execuções extrajudiciais como realidade do país e não como narrativa fictícia, como afirmou o presidente brasileiro. O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, gesticulam no Palácio do Planalto no dia de uma cúpula com presidentes da América do Sul para discutir o relançamento do bloco de cooperação regional UNASUL, em Brasília, Brasil, 29 de maio de 2023
REUTERS/Ueslei Marcelino
A tese de que existe uma narrativa contra a Venezuela, exposta pelo presidente Lula ao acolher calorosamente Nicolás Maduro em Brasília, é desmontada pela investigação a que o regime venezuelano é submetido em Haia, pelo Tribunal Penal Internacional. E também rechaçada nos relatórios de duas respeitadas organizações que defendem os direitos humanos: Anistia Internacional e Human Rights Watch.
Na justa retomada das relações entre Brasil e Venezuela, Lula optou por ignorar o histórico autoritário do governo chavista, referindo-se a ele como uma narrativa fictícia de antidemocracia construída contra o país.
A acusação contra a Venezuela — o primeiro país do continente a ser investigado por crimes contra a Humanidade —, contudo, se revela concreta em Haia. Foi aberta em 2018 por seis países: Canadá, Chile, Colômbia, Paraguai, Peru e Argentina, que posteriormente, no governo Alberto Fernández, se retirou do caso.
Foto de arquivo de 7 de novembro de 2019 mostra sede do Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia, na Holanda
Peter Dejong/AP
Desde então, a promotoria se dedicou a ouvir parentes de vítimas de abusos e torturas e analisar casos de execuções extrajudiciais e prisões arbitrárias.
Em abril, passado, o procurador-chefe da corte internacional, Karim Khan, considerou que há base razoável para acreditar que na Venezuela houve um ataque sistemático contra a população civil, cometido por uma política de Estado, com a ajuda de forças de segurança e de grupos e milícias pró-governo.
Em um documento de 22 páginas, o promotor, que esteve duas vezes na Venezuela, relata que centenas de pessoas foram torturadas e submetidas a formas de violência sexual. Cita casos de espancamento, asfixia, afogamento e choques elétricos.
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, foi recebido por Lula em Brasília nesta segunda (29)
Ueslei Marcelino/Reuters
O processo está paralisado, a pedido do governo venezuelano, para que sejam analisadas as investigações apresentadas pelo regime.
Os relatórios mais recentes da Anistia Internacional e da Human Rights Watch coincidem em grande parte dos aspectos que dizem respeito aos abusos, às perseguições aos dissidentes, aos ataques à liberdade de expressão e aos 7,2 milhões de refugiados.
Segundo a ONG Foro Penal, em março, o regime mantinha 283 presos políticos e, desde janeiro de 2014, contabilizou 15.792 detenções arbitrárias por motivos políticos. “As políticas repressivas do Estado visavam a jornalistas, mídia independente e defensores dos direitos humanos”, diz o documento da Anistia Internacional.
Manifestantes mostram bandeira venezuelana e cartaz escrito: “Censura + Repressão + Tortura = Democracia?”
Gustavo Moreno/AP
Sobre a independência do poder judiciário na Venezuela, a HRW especifica:
“O Judiciário parou de funcionar como um poder independente do Estado em 2004.Não tem ocorrido justiça significativa pelos crimes cometidos com conhecimento ou aquiescência de autoridades de alto escalão. As autoridades judiciais foram cúmplices de abusos, informou a Missão da ONU em 2021, inclusive ao emitir mandados retrospectivos para prisões ilegais, ordenar rotineiramente prisões preventivas, manter detenções com base em evidências frágeis e não proteger vítimas de tortura.”
Por estas razões as palavras laudatórias do presidente brasileiro sobre o regime venezuelano repercutiram tão mal entre os ativistas de direitos humanos. A diretora da Divisão Américas da HRW, Juanita Goebertus, foi dura em suas redes sociais.
“Lula deve entender que, se quer que o Brasil tenha um papel de liderança frente à Venezuela, deve partir de um diagnóstico correto – e não falsificado – da realidade. O autoritarismo da Venezuela não é uma “narrativa construída”. É uma realidade inquestionável”.
G1
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