Apenas após a morte da mãe adotiva, Ruth, em 2009, e motivada em parte por seu filho, Donna Freed começou a pesquisar o seu passado. Nascida e criada nos Estados Unidos, Donna Freed mora em Londres
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Donna Freed tinha apenas seis anos de idade quando sua irmã revelou um segredo de família: que ela e seus dois irmãos haviam sido adotados.
A família tinha uma vida tranquila e agradável de classe média da comunidade judaica no subúrbio de White Plains, em Nova York (Estados Unidos). Mas a notícia fez o mundo de Donna Freed desmoronar.
“Minha família… era como Deus para mim”, ela conta. “Eram as pessoas mais próximas, os maiores, os melhores. Todo o meu mundo girava em torno da minha casa e da minha família.”
A revelação da sua irmã, naquela época, fez com que seu mundo “acabasse”. “Fui retirada das paredes seguras que me rodeavam”, relembra ela.
Freed suspeitava que houvesse algo de vergonhoso na sua história. Mas ela decidiu manter-se fiel à sua mãe adotiva e nunca se atreveu a insistir muito com perguntas sobre a sua origem.
Por isso, esta questão nunca foi discutida abertamente no seio da família adotiva, que ofereceu muito poucos detalhes sobre as circunstâncias da sua adoção e a identidade dos seus pais biológicos.
Apenas após a morte da mãe adotiva, Ruth, em 2009, e motivada em parte por seu filho, Donna Freed começou a pesquisar o seu passado.
Suíça, alta e loira – e simulou sua morte
Donna Freed mora hoje em Londres e tem 56 anos. Ela foi adotada pela extinta agência americana Louise Wise Services – a mesma envolvida no caso apresentado pela série da Netflix Três Vidas.
Ela enfrentou meses de uma série de trâmites complicados para obter informações e inscreveu-se em um registro de reunificação familiar, até que uma assistente social assumiu o caso e prometeu apresentar um relatório dali a cerca de três meses.
Primeiramente, ela recebeu uma carta com os três primeiros dados obtidos sobre sua mãe biológica, que se chamava Mira Lindenmaier.
“Minha mãe tinha 27 anos quando nasci, não teve outros filhos antes de mim e era… suíça”, contou ela ao programa de rádio Outlook, do Serviço Mundial da BBC.
Donna Freed sabia desde pequena que era adotada, mas a família não falava abertamente sobre o assunto
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O relatório completo chegaria alguns meses depois. A assistente social a advertiu ao telefone que seu conteúdo era muito mais dramático que o que se poderia esperar com as primeiras informações.
Freed preparou-se para a típica e trágica história de problemas com dependência, violência familiar e até abuso sexual. Mas o relato superou em muito suas expectativas.
O relatório “descrevia minha mãe. Ela tinha cabelos loiros, era muito alta, inteligente, trabalhava em uma agência de publicidade e sabia nadar muito bem”.
“Ela conheceu meu pai, que era 13 anos mais velho do que ela – ele era casado e tinha quatro filhos”, prossegue Freed. “E eles haviam concebido um plano para lesar a companhia de seguros.”
O relatório prosseguia dizendo que “ela aceitou o plano de manter o relacionamento, fugir para a Espanha e me criar ali”.
O pai de Freed chamava-se Alvin Brodie. Ele era operário da construção, barman e músico de jazz. Brodie tinha um longo histórico de fraudes e sua data de nascimento era obscura.
Seu plano era simular a morte acidental de Lindenmaier, receber a indenização da seguradora e fugir para a Espanha.
Freed tomou conhecimento dos detalhes posteriormente. Seus pais e um cúmplice, amigo do casal, alugaram um navio em City Island, no Bronx (Nova York). Eles fingiram que houve um acidente e que Lindenmaier havia se afogado.
Enquanto isso, Mira Lindenmaier – grávida de Freed – viajou para White Plains. Lá, ela se refugiou com um nome falso em um hotel e começou a ganhar a vida, trabalhando como garçonete em uma cafeteria, justamente ao lado da delegacia local.
Investigação e prisão
“No início, quando (a polícia) percebeu que minha mãe estava desaparecida e que ela havia alterado a apólice de seguro 39 dias antes de se afogar, beneficiando o namorado, eles pensaram que meu pai a houvesse assassinado”, conta Freed.
As pessoas que descreveram Lindenmaier afirmaram, entre outras coisas, que ela era ótima nadadora. Por isso, a teoria de que ela teria se afogado era muito pouco convincente.
Com estas suspeitas, a polícia grampeou o telefone de Brodie. E, poucos meses depois – no Dia de Ação de Graças, em novembro de 1996 – a voz de Mira Lindenmaier apareceu em uma das gravações, surpreendendo a todos.
Depois de segui-la por algumas semanas, a polícia prendeu Lindenmaier, que imediatamente confessou o golpe. O plano frustrado terminou com Alvin Brodie preso e Mira Lindenmaier libertada sob custódia. O caso teve grande destaque em toda a imprensa, na época.
“Todos haviam pensado, incluindo seus pais, que ela estivesse morta”, afirma Freed.
Lindenmaier voltou a morar com os pais, ficando com eles por anos. Ela nunca voltou a se casar, nem teve outros filhos. Brodie retomou seu casamento depois de sair da prisão e teve um quinto filho com sua esposa.
Mas o detalhe que mais emocionou Freed, dentre todas as informações que recebeu de uma só vez, foi que sua mãe “estava contente por me conceber”, disse ela com a voz embargada à BBC.
A assistente social afirmou que sua mãe “estava emocionada por me ter nos seus braços e que teve dificuldade para decidir me entregar [para adoção]”.
O encontro
Depois de ouvir o relato, a assistente social perguntou a Freed se ela queria se reencontrar com sua mãe. O pai já havia morrido.
“Claro! Você está brincando?”, respondeu ela. “É claro que existe uma história de criminalidade por trás, mas obviamente ela agiu assim porque estava apaixonada.”
“Era uma pessoa muito tímida e reservada”, segundo Freed. “Quando Alvin dedicou toda sua atenção a ela, seus encantos e seu amor, ela não teve outra opção. Mas não acredito que ela tenha inventado este plano [de simular sua morte e fugir para a Espanha], nem em um milhão de anos.”
Encontrá-la não foi fácil. Foram meses de trabalho de detetive, revisando arquivos e registros da biblioteca pública de Nova York.
Até que seu paradeiro foi encontrado em um centro de reabilitação na Flórida. Ela conseguiu seu telefone e ligou para ela.
“Nós duas começamos a chorar e ela gritava: ‘É você! É você! É um milagre!'”, conta Freed. “Esperei toda a vida para reencontrar você. Não tive outros filhos.”
O encontro entre filha e mãe biológica foi comovente, segundo Freed
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O encontro pessoal ocorreu seis meses após a ligação, na Flórida. Freed comprou um vestido azul com bolinhas brancas para a ocasião. E ela se lembra de que, antes de vê-la, “tremia literalmente como uma folha de papel”.
Assim que Freed foi levada para o quarto e viu sua mãe biológica, com óculos grossos e cabelos brancos, as duas se desmancharam em lágrimas. “Foi um momento indescritível.”
Donna Freed finalmente conseguiu encontrar a resposta para todas as perguntas que assombravam sua cabeça, não apenas sobre o escândalo da falsa morte da sua mãe, mas sobre a sua vida pregressa e as circunstâncias que a levaram a envolver-se naquela situação.
Mira Lindenmaier morreu em agosto de 2020. Mas Freed conseguiu encontrar três dos seus cinco meios-irmãos (quatro nascidos antes que seu pai fosse preso e um, depois de ter saído da prisão) enquanto recolhia informações sobre sua família biológica – e segue em contato com eles até hoje.
Donna Freed reuniu os fascinantes detalhes desta história na sua autobiografia Duplicity: My Mothers’ Secrets (“Duplicidade: os segredos das minhas mães”, em tradução livre).
Ouça o programa da série Outlook (em inglês) que deu origem a esta reportagem no site BBC Sounds.
G1
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